Fernando Morgado mostra como a desinformação afeta investimentos e compromete decisões estratégicas na comunicação
Nos últimos anos, muito se falou, com razão, sobre o impacto das fake news na política, na saúde e no comportamento das pessoas. Mas um lado ainda pouco explorado desse fenômeno é o efeito que essas falsas narrativas causam nos negócios, em especial na área de comunicação. De acordo com pesquisa da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), 50% das empresas brasileiras já foram vítimas de fake news. Os danos vão desde perda de faturamento até risco de fechamento. Em tempos tão complexos, a mentira repetida com convicção ainda gera medo e leva muitos a tomarem caminhos errados.
Isso também afeta a publicidade e, por consequência, os veículos de comunicação profissional. Quando fake news ganham tração no mercado anunciante, o resultado é direto: investimentos são deslocados para ambientes que não entregam o que prometem. Ao mesmo tempo, veículos tradicionais perdem espaço injustamente, mesmo garantindo mais entrega, reputação e resultado. E um exemplo recente disso é a narrativa absurda, que já li em posts de redes sociais, de que a Netflix teria “enterrado” o modelo de TV linear, com grade de programação.
TV linear acabou mesmo ou é só mais uma mentira?
Vamos aos fatos. Segundo dados de abril de 2025 da Kantar IBOPE Media, 78,9% do consumo de vídeo no Brasil em aparelhos de TV e TV conectada é feito via TV linear, somando televisão aberta e por assinatura. Os vídeos on-line, onde está incluída a Netflix, representam apenas 21,1%. Dentro desse número, a Netflix responde por 4,2% de share. A pergunta é simples: como um player com pouco mais de 4% poderia ter enterrado um modelo que responde por quase 80% do consumo total?
Não só não enterrou como a própria Netflix investe, há anos, em campanhas publicitárias veiculadas na TV aberta e paga. Isso vale para concorrentes como Disney+, Prime Video e outras plataformas que, mesmo nascidas no ambiente digital, reconhecem a força da TV linear para ampliar visibilidade e atrair público. Os dados mostram que o discurso do fim da TV com grade de programação simplesmente não se sustenta. O que se sustenta é a complementariedade e a coexistência de modelos.
Quem perde quando a mentira é levada a sério?
É aí que a coisa fica mais séria. Quando essa falsa ideia ganha corpo no mercado, ela influencia decisões equivocadas. Marcas deixam de investir onde há resultado comprovado para apostar onde há mais barulho, mesmo que com menos entrega. Agências, pressionadas por discursos moderninhos, seguem a onda. E os veículos profissionais, que dependem da publicidade para sustentar suas estruturas, perdem dinheiro injustamente.
Isso compromete a cadeia como um todo: prejudica o anunciante, desinforma o público e fragiliza o setor de comunicação. No caso da TV aberta brasileira, o risco é ainda maior. Afinal, dentro dos 78,9% de share da TV linear, 69,3% são de televisão aberta. Ou seja, o grosso do consumo de vídeo continua sendo de um modelo que é nacional, gratuito, auditado e entregue em larga escala. Esse formato não só funciona como continua sendo um dos pilares da estratégia de mídia de quem quer resultado real.
O que pode ser feito para reverter esse cenário?
A resposta exige dados e, principalmente, atitude. Precisamos enfrentar publicamente essas fake news, com clareza e argumentos sólidos. Não se trata de sair no grito. Trata-se de reforçar a confiança no que é auditado, comprovado e entregue com transparência. Quando alguém diz que a TV linear acabou, o que se deve fazer é mostrar os números que comprovam o contrário. A TV linear e a não linear coexistem e se retroalimentam.
O combate às fake news também precisa acontecer dentro do mercado publicitário. Quando uma mentira se espalha sobre o fim de um meio que ainda entrega a maior fatia de audiência, isso afeta campanhas, carreiras e empresas. E o rádio e a TV, que sempre foram referências em credibilidade, precisam continuar sendo também na hora de informar o próprio mercado.
A TV linear está longe de morrer. O que precisa acabar, urgentemente, é o crédito dado a quem espalha dados falsos com pose de especialista. Informação correta, bem contextualizada e com base em números sérios é, e sempre será, o caminho mais seguro para o sucesso na comunicação.
Fernando Morgado é consultor e palestrante com mais de 15 anos de experiência nas áreas de mídia e inteligência de negócios. Atendeu clientes como Band, Grupo Globo e SBT. É Top Voice no LinkedIn e tem livros publicados no Brasil e no exterior, incluindo o best-seller Silvio Santos – A Trajetória do Mito. Foi coordenador adjunto do Núcleo de Estudos de Rádio da UFRGS. Mestre em Gestão da Economia Criativa e especialista em Gestão Empresarial e Marketing pela ESPM. https://instagram.com/morgadofernando_